sábado, 28 de abril de 2012

A mulher que eles chamam vilã


Odeth Roitmann, Teresa Cristina, Carminha, Raquel, Flora, Jezebel, Eloquisa, Ivone, Clara, e até a estrangeira Paola Bracho, que duvido que faça mais sucesso em seu país de origem do que no pa-tro-pi. Todas elas contrastam com as mocinhas das tramas televisivas, nas novelas que são acompanhadas diariamente por brasileiros. As novelas, principalmente as globais, das quais muitos brasileiros se orgulham e que temos até como produto de importação para, principalmente, alguns países africanos e Portugal.
Recentemente a africana Paulina Chiziane chegou a afirmar que os moçambicanos teriam medo do Brasil pela imagem do negro serviçal que suas novelas passam (clique aqui). Eu também tenho medo das telenovelas brasileiras, pela imagem das mulheres e por elas terem a representação principal na dramaturgia de maneira dicotomizada. Pois as que chamam mais atenção e ao redor de quem as tramas são formadas são sempre a mocinha, que provavelmente terminará casada, e a vilã, que provavelmente terá um fim trágico ou reaparecerá ,quando todos pensam que ela está morta ou presa, em alguma ilha cercada por luxo (ou coisa similar a isso). 
O que importa analisar é quem é esta mulher que recebe como paga pelos seus erros o fim trágico ou é tão ardilosa que mesmo sendo mal caráter consegue se dar bem no final. Quais são as características da maioria destas personagens, que são classificadas como vilãs? Quem é essa mulher que se chama vilã, em contrapartida às características da mocinha, de bom caráter. 
Eu acho que, mesmo não partindo de um estudo estatístico, todos hão de convir que as vilãs das telenovelas, em sua maioria, são inteligentes, ricas, tem uma excelente autoestima, bonitas e na quase sempre tem um amante que lhes é subordinado. Veja o exemplo da atual novela do horário nobre da Rede Globo e você há de encontrar ao menos noventa por cento dos itens citados na construção da personagem 'Carminha'. É bom notar também que as vilãs gozam de uma liberdade sexual maior que todas as outras mulheres da trama, vide Teresa Cristina, e como ela não era guiada por escrúpulos moralistas para se envolver até com o 'Pereirinnha' (sujo e maltrapilho) em uma relação puramente sexual. Além disso havia a personagem 'Crô', que com sua subserviência, ajudava a construir para o telespectador a principal característica desta vilã, o empoderamento pessoal. Eu acho isso digno de ser observado porque eu não vejo as mocinhas globais serem descritas dessa mesma maneira. Na maioria das vezes elas têm uma fidelidade canina ao personagem com quem fazem par romântico e quando se envolvem com outro homem, é sempre no sentido de se apaixonar ou haver sido enganada. Então eu me pergunto, por quê eles castram as heroínas de suas novelas e empoderam suas vilãs? Se fazem isso conscientemente ou se apenas reproduzem uma tradição no mundo das artes em que a mulher é sempre o ser místico, diabo ou anjo divino, não sei. Mas para mim é claro, que apesar de muito se falar e repetir bordões das vilãs, a maioria das brasileiras se enquadram melhor no papel da mocinha ou na sua vida prática desejam ser ela. A mocinha que será recompensada no final com o amor ou casamento com o seu homem ideal. O problema é que na vida real, este homem ideal não existe e a novela não mostra qual é o papel da mocinha depois do casamento no final feliz, reproduzindo o sentido dos contos de fada. Em contrapartida, ela mostra qual será a paga da vilã, morta tragicamente/presa/ empobrecida ou como a mulher sagaz  que consegue se recuperar e ter uma vida que vejamos bem, é bem mais confortável e interessante. Pois beber drinks luxuosos no Caribe, por exemplo, é bem mais interessante do que se ver casada com um personagem masculino, que provavelmente foi bem mais apagado que as mulheres no enredo da novela. Para mim está clara a associação de poder, bem-estar, ganho pessoal, subordinação masculina, liberdade sexual, das mulheres ao mal caratismo.
A vilã mal caráter é a mulher na trama, que possui alguma independência genuína. Então nos últimos capítulos ou ela pagará tragicamente por essa independência ou ela vai se dar bem. Neste último caso estamos delimitando claramente que a mulher de bom caráter se casa com um homem ideal e a mulher de mal caráter é fria e por isso consegue sucesso pessoal e uma vida confortável independente sozinha ou acompanhada do seu subordinado.


Recomendo a leitura de 'A mulher que eles chamavam Fatal' e no próximo post irei falar mais um pouco sobre este livro da Mireille Dottin-Orsini. Por enquanto acho que este trecho abaixo se encaixa muito bem na idéia do texto que acabo de escrever:


“Observando essas imagens da mulher, podemos fazer curiosas constatações: se uns continuam impávidos, perpetuando os louvores à Madona, celebrando a mulher (isto é, a mãe potencial) como naturalmente boa, altruísta, pronta para todos os sacrifícios, outros afirmam com a mesma convicção que a mulher (isto é, o objeto do desejo) é da mesma forma, naturalmente, destinada à falsidade e à crueldade,à mentira pronta e mãos manchadas de sangue...”
 Mireille Dottin-Orsini, sobre a representação obsessiva e dicotomizada da mulher na arte 'fin-de-siècle'.

6 comentários:

  1. Um absurdo termos isso como importação pra outros lugares hahaha ótimo texto, parabéns xD

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    1. Pra você ver, né Matt? hahahahah Obrigada pelos elogios!

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  2. Boa colocação, gostei de ler sobre isso. Quem sabe você não pode fazer uma análise mais profunda de algumas personagens específicas?

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    1. Posso sim, Jaz. Acho que por conta do livro que estou lendo, sobre a representação da mulher na arte, eu vou começar pela 'Pitonisa de Tebas'

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  3. É bem por aí mesmo. A tevê insiste em manter uma cultura em que a mulher só é boa se for coadjuvante da vida de algum homem.

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    1. Fora, essa coisa da mulher não ser uma pessoa. Mas sempre alguém que está posta nas extremidades entre santa e puta.
      Acho que essa mistificação do feminino é a raiz dessa representação torta das mulheres na arte e na mídia.

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