segunda-feira, 16 de julho de 2012

Quem nos representa?

Eu sei que o blog está parado e devo textos sobre a leitura do livro citado no último post, mas ... simplemente não fluiu. Então vou dar um parecer, que acredito mais urgente, sobre um assunto e pessoa, que tem ganhado algum espaço na mídia brasileira recentemente. Ontem esteve no programa De Frente Com Gabi Sara Winter, representante do FEMEN no Brasil. (Para saber mais sobre o FEMEM clique aqui e aqui).
Decidi expor estas observações levando muitas coisas em consideração como a pouca idade da entrevistada, meu pouco conhecimento sobre o grupo, a adesão relativamente recente da própria Sara ao movimento e as experiências muitas densas pelas quais ela passou enquanto militante para uma pessoa pouco experiente como ela (violência policial e se inserir em um campo de militância em uma cultura diferente da sua de origem). Esse último item acho que deve ser observado com muita atenção.
Eu gostaria de destacar alguns pontos que me incomodaram, enquanto mulher e feminista, querendo ou não, representada por esta mulher. Mas deixo antes claro que o meu discurso não é de repúdio ao FEMEM e sua ação, mas parte da necessidade de reflexão sobre quem nos representa. Por isso este texto é principalmente direcionado às feministas e/ou feministas militantes. Pois bem,companheiras, acá estamos nós sendo apresentadas ao 'Brasil' pela srta Sara Winter.
Acho que todxs nós, mesmo as/os que descobriram o feminismo por si mesmx sabem da resistência que encontramos quando a nossa atitude, pensamento,comportamento ou argumento confronta a sociedade machista. As pessoas tem uma antipatia imediata pelo feminismo, seja pelo raso conhecimento que possuem sobre o assunto, seja pelo desafio de mudança moral que lhes é prosposto. Logo quanto mais estudo e clareza do que é o feminismo, o que queremos dele, o que nos é essencial mais fácil seria lidar com esse possível confronto.
Imaginem uma garota de recém-completados 18 anos, que tem menos de 2 anos de contato com o feminismo e ativismo feminista de frente com Gabi, Pânico, Agora é tarde e toda a sociedade brasileira sexista. Me desculpem, mas é quase natural que essa combinação resulte em uma representação que nós não queremos ter. Talvez a própria Sara nao tenha noção do que é o que realmente está enfrentando. Nós bem sabemos a quantidade de expectativa de várias militantes e o tanto de nariz torto de gente tão acostumadaa entortar o nariz quando o assunto é feminismo.
Cá para nós, longe do nosso reduto virtual, espaço de ativismo ou grupo de amigxs feministxs eis o que a maioria das pessoas pensam sobre feminismo:
queimaram sutians+ vai enfiar o salto na garganta do marido+ querem conquistar o mundo, mas estão escolhendo a roupa adequada+ querem ser homens+ ????+ putas+ peludas+ não querem arrumar a casa+porcas+ interrogação²³³³³³³³+ chatas. A gente não tem que aceitar esses clichês e ficar eternamente se justificando, é óbvio. Mas quantxs de nós já não disseram "Não sou machista, nem feminista. Sou pela igualdade"? Feminismo não se ensina na escola, não passa no Jornal Nacional e nas obras populares de ficção as "feministas" acabam grávidas e descobrem que tudo que precisavam era se apaixonar (eu digo apaixonar e você lê piroca).
De repente temos o FEMEN e a Sara ganhando visibilidade e tendo uma chance enorme de explicar ao  Brasil o que é feminismo, sexismo, exploração do corpo e da imagem da mulher, etc. A Marcha das Vadias teve uma visibilidade maior do que a ação da Marcha Mundial das Mulheres ou A Marcha das Margaridas, por exemplo. Mas nada se compara a Sara Winter, FEMEN e sua ação mais comentada: o topless. O que me incomoda é que eu não acho que a Sara Winter consegue se expressar de maneira satisfatória sobre o que o FEMEN acredita e o Femen não ME representa de uma maneira satisfatória também (mas aí já é problema meu) Mas principalmente o que me tira do sério é que estão as usando para reafirmar esse conceito de beleza cissexista eurocentrista e não vejo a Sara combater isso.Na verdade ela mesma durante a entrevista teve várias oportunidades de citar e questionar a fetichização do corpo feminino e não o fez. Falta explicar ao público leigo que o corpo feminino é fetichizado para ser explorado e é explorado por ser fetichizado, por exemplo. No discurso dela não há um questionamento sobre o 'mito da beleza'. Não a vejo nas entrevistas também combater a maneira que abordam as garotas do FEMEN e se refirirem a elas sempre citando a beleza e esse conceito de beleza sempre associado ao fato de serem louras, altas, magras em sua maioria. Pois  os leigos que comentam sobre comigo dizem "Ok. Elas protestasm e são lindas, né?Que bom que são lindas, né?Tudo loura européia, né?" Para mim elas não têm culpa de se adequarem a este padrão de beleza e se conseguiram visibilidade por isso é porque a sociedade acha isso importante, não necessariamente as militantes do FEMEN acham. Mas "now is the time when enough is enough" e vamos parar de explorar essa característica do grupo ou bloquear de alguma maneira essa exploração. Não sei se o FEMEN tem tentado fazer isso no seu país de origem. Mas a atitude da sua representante brasileira sobre este ponto não está nada claro.
A Sara disse na entrevista que o topless é uma forma de dizer "eu comando a minha nudez, não você e seu mercado de exploração". Mas se ela não explica que o fetiche sobre o corpo feminino é um dos motivos que impulsiona esse mercado de exploração fica tudo muito confuso. Na verdade, eu acho que para assumir uma postura contrária a essa ideia e a relação constante que fazem entre o movimento e a beleza das gurias seria dizer algo como "Não. O movimento não é sobre garotas bonitas que protestam fazendo topless. Mas é sobre feministas contra o controle da nudez e corpos das mulheres pela sociedade patriarcal e mercado sexual". Não culpo o FEMEN pela mídia focar nas meninas consideradas mais bonitas e explorar a imagem delas. Mas se é feminismo e coletivo feminista, que se dedica a lutar especificamente contra exploração do corpo feminino e estão ocupando certo espaço na mídia, elas precisam se posicionar muito contrária e abertamente sobre este fato. Porque senão vai parecer que elas estão permitindo isso para ganhar visibilidade e isso ao meu ver é explorar o corpo de mulheres que correspondem a este padrão de beleza cissexista para conseguir espaço. Isso é extremamente perigoso ao movimento feminista, pois o trai.
Eu vejo a Sara como uma garota inexperiente, pela pouca idade e pouco tempo de militância, para enfrentar a mídia brasileira. Por vezes as respostas dela deixaram muito a desejar, acredito que em muito por essa ingenuidade e inexperiência. Ela chegou a deixar muitas respostas com reticências enormes, enquanto estasprecisavam de ponto final .
Há um tempo atrás eu diria que algum feminismo é melhor que feminismo nenhum. Mas hoje encaro essa postura como bastante irresponsável. No Congresso de Mulheres da UNE (Salvador, 2011) também se discutia a questão da nossa representação, nesse caso na figura da presidenta Dilma Roussef. De um lado alguns diziam "Não basta ser mulher"  e a postura de outras era "Uma mulher na presidência é melhor que mulher nenhuma". Hoje eu tatuaria na testa "Não basta ser mulher. Tem que me representar com respeito e coerência". Não basta também ser feminista ou feminismo, precisa nos representar coerentemente. Acho que representação nenhuma é melhor do que uma representação que confunda mais ainda as pessoas sobre o que somos e queremos na sociedade.
A Sara foi expulsa de um show da Gretchen e até sofreu violência policial. Se eu estivesse lá daria suporte e a ajudaria a relaizar a ação, assim como se em alguma ocasião eu puder ajudar qualquer movimento ou militante feminista eu o faria. Gostaria muito de conhecer o FEMEN mais de perto, assim como sua representante brasileira. Mas muito me preocupa as entrevistas que ela tem dado e a imagem que se cria do feminismo. Enfim, me preocupa muito também uma feminista ao fim da entrevista relacionar o corpo da mulher a beleza e o do homem a força. Isso é fazer referência a um monte de coisa que o movimento feminista luta muito para desconstruir.
Sara, eu também quero mudar o mundo. Mas se eu tivesse esse espaço que você está tendo teria mais cuidado em transmitir uma imagem clara da maneira como eu quero mudar o mundo e porquê a mudança se faz necessária.
Também não faz sentido ser neo-feminista e desconsiderar suas raízes politicas, históricas enquanto ideologia e movimento social.Quem é neo, é neo de algo que já existiu e é nesse algo que está a essência de representação.
Go, go sis! Go, go Sara! Go, go FEMEN! Mas vamos sabendo quem somos e o que queremos nessa luta.

Um comentário:

  1. vc disse tudo no final , amor. ela não soube aproveitar - pelo que vc me reportou anteriormente - a oportunidade grande ao seu alcance, desapontou a própria entrevistadora Marília Gabriela. que também de algum modo é uma figura femininalista = assim prefiro chamar agora : as verdadeiras e dignas MULHERES DE AÇÃO CONCISA E COERENTE. essa Sara ainda não tem a noção para que possa realmente se defender do ataque da exposição midiática que no Brasil, particularmente é muito feroz e atroz. MAS AINDASSIM esperançoso porque tenho q ser DIGO: - O TEMPO AGORA É DE TODAS VCS JUNTAS porque vcs são maiorias nesse BRASIL e não é preciso pintar a bandeira de ROSA para ser FEMININALISTA e sim ter posicionamentos fortes como muitas têm e ideias fixas de construção da nossa sociedade. Beijos, boneca !

    ResponderExcluir