quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Jasmin (Quem vence, vence!)

Ela já havia chegado na escola com muita vontade de não estar naquele lugar. Ela poderia intimidar os coleguinhas novamente fingindo ter um ataque nero... "Como foi que o doutor, falou? Neotérico?" Mas não tinha  vontade nem de se divertir enquanto eles correriam assustados. Na verdade eles nem deveriam realmente se assustar. Era o jogo...
Mais cedo em consulta ao "doutor":
-Jasmin, o que você mais gosta de fazer?
- Não sei falar isso...
-Saberia desenhar? Pode desenhar para mim?
Silêncio. O médico lhe entregara um papel que minutos depois ela devolveria cheio de corações e pequenas casinhas. O psiquiatra olhou para o desenho, esboçou um sorriso falso e disse.
-O que isso significa para você?
Silêncio. 
- Pode me dizer algo sobre esse desenho Jasmin?
- Minha mãe disse para o meu pai domingo " Tudo é esse jogo de futebol!" e depois meu tio falou "É tudo um jogo e quem vence, vence"
-Sim? O que isso tem a ver com o desenho?
-Nada.
- Então...  ( o médico respirou fundo)
- Está perdendo a paciência comigo, doutor?
-Não, só quero que me diga se sabe que sua mãe falou sobre um jogo que ...
-... que é diferente do jogo que meu tio falou. Eu sei. O meu tio vende coisas quebradas para as pessoas e cortou o cabelo da minha irmã enquanto ela dormia.
- Então...
-... então ele acha que tem que vencer sempre. É como se as pessoas fossem uma bola e ele tivesse que chutar sempre. Meu pai é do mesmo jeito... Deixa pra lá!Eu sou idiota!
-Não. Você é bem inteligente para uma garota de 10 anos. 
-Você acha?- ela abriu um sorriso
O doutor com um olhar curioso indagou
-Gosta de ser elogiada, Jasmin?
-Quem não gosta, doutor?- disse um pouco mais retraída.
-É verdade. Todo mundo gosta.
-Mas comigo quase nunca acontece... 
- Por que diz isso?
Silêncio
- Jasmin, acabou o seu tempo. A gente se vê novamente e eu falo com sua mamãe.
-Já sabe o que eu tenho?
-Por que tão apressada? Minha companhia é ruim?
- Não... só quero saber porque eu estou meio cansada de ser esquisita.
O doutor a encarou durante alguns minutos.
-Tire essa história de que é esquisita da sua cabeça,ok?
-É o que todo mundo diz.
- A maioria das pessoas nem sempre falam a verdade.
- Bem capaz...
O doutor sorriu e a levou até a porta.

Assim que saiu dali ela sabia que não poderia voltar . A sua mãe não teria tanto dinheiro para pagar  por uma hora de conversa. "É uma pena. Eu realmente gostei dele." Mais tarde na escola a professora a entregou um comunicado da secretária.
-O que é isso, tia?
- Um comunicado aos seus pais?
-É ruim?
-Eu estou sorrindo, Jasmin?
-Não. Mas o que é tia?
- JASMIN! EU JÁ TE DISSE QUE É PARA SEUS PAIS! Preciso dizer mais alguma coisa? Você é surda?
-Não precisa gritar, tia Márcia. Minha mãe está na sala da alfabetização. Vai lá e fala com ela. Não precisa de bilhete. 
-JASMIN, VOCÊ ESTÁ DE CASTIGO!
-Ótimo- disse com a voz embargada enquanto o resto da classe sorria.
Mais tarde quando chegou em casa decidiu mostrar a mãe o bilhete.
-O que diz aí mãe?
-Está falando que você só pode entrar acompanhada dos pais ou responsáveis.
-Todo dia eu vou para  escola com você.
As duas riram.A mãe franziu o cenho.
- Que foi mainha?
- Estão reclamando do uniforme;
-Por que? Eu uso... sapato preto, meia branca...
-Sua tia escreveu aqui "sapato danificado"...
- Por mim eu nem vou mais pra lá!
As duas se entreolharam, Jasmin estava quase chorando.
-Mãe, eu não preciso estudar lá... Me põe na pública!
-Larga de besteira menina! Amanhã converso com sua tia e fica tudo bem, ok?
A luz amarela da sala, a mesa redonda, a comida em cima dela, o pai chegando do trabalho, as irmãs brigando por causa do livro de Machado de Assis no quarto, o sapato "danificado"... era tudo um jogo.
Antes de dormir e após a oração noturna com a mãe as irmãs, o pai gritava e chutava alguma porta como sempre, ela pensou em voz alta:
- Preciso aprender a chutar pessoas, como se fossem bola.

(Continua... talvez.)

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