Após o impacto de ler um romance em que eu me sentia refletida no caráter de certa personagem durante todo o tempo de leitura, sou obrigada a procurar companhia pela fala poética de uma desconhecida. Ontem eu lia a ficção de uma francesa rica. Hoje eu leio poesia de uma brasileira, que também não é pobre.Talvez essa coisa de pobreza ou riqueza seja puro complexo meu, que sou pobre. Mas muitas vezes me sirvo disso como parâmetro para avaliar de que maneira o meu comportamento se distancia da forma de ser das outras pessoas.
A questão, que pode ser sexista, é que sempre quando conheço a obra literária de alguma mulher, que tem (ou teve) muito mais dinheiro que eu, uso isso como desculpa por elas conseguirem ser brilhantes e eu não.Não sei porque com relação aos homens nunca faço este tipo de reflexão. Talvez seja porque já estou acostumada a vê-los levar vantagem em quase tudo. Mas não vamos transformar este texto em uma discussão sobre sexismo.
Os textos aos quais me referia no parágrafo acima foram escritos por Simone De Beauvoir e Ana Cristina César. A personagem com quem me identifiquei é a Anne, do livro 'Les Mandarins'. A Anne também é retratada no livro como uma mulher de classe média alta, que vivia entre intelectuais franceses após a segunda guerra mundial. Mas ainda assim eu identificava o meu pensamento refletido na construção psicológica do seu caráter.
Eu li este romance da Simone, durante quase dois meses, pois o único tempo livre que tenho para ler é durante a minha viagem de metrô até o trabalho. Este hiato de tempo, onde estou solitária, cercada (e amassada) por gente é o momento em que na verdade me encontro mais só do que nunca. A viagem de metrô é como um intervalo precioso na convivência com as pessoas que conheço. (Mas isso só ocorre quando consigo me sentar, é óbvio) Enfim, não teria tempo melhor para se dedicar à leitura. Foi nesse hiato de tempo que construí minha relação, durante cinco semanas, com Anne, Paule, Henri, Nadine, Dubrehil, etc...
Agora o meu marido me disse "Leia Ana Cristina César" e me entregou essa compilação dos seus poemas. Eu não tive como dizer não. Até o momento não fazia ideia do que poderia ler. Estava abandonada pela Simone e só me restou cair nos braços da Ana Cristina. Era isso ou a solidão, pois não possuía ânimo próprio para ler outra coisa.
Engraçado como os personagens de um romance parecem fantasmas. Eles te acompanham durante um tempo e depois você fecha a capa do livro e simplesmente não estão mais lá.
Agora eu fui apresentada à obra desta pobre menina rica carioca. Longe de mim desmerecer o seu trabalho. Mas por ela estar mais próxima a minha realidade eu me sinto mais a vontade para criticá-la. É mais fácil ser compreensiva com a fictícia Anne ou com a própria Simone, que estão fora do que é tangível a mim. Pois quando encontro algum ponto de identificação com quem está longe, posso me sentir surpresa, pois não tinha sobre isso expectativa. Porém quanto a obra de uma quase igual (apesar de ser brasileira, ela não é minha contemporânea e pertence a outra classe social) me sinto livre para sentir despeito. Mesmo essa reflexão mesmo sendo louca e inútil, hão de convir comigo que é mais fácil criticar aquilo que é conhecido. A Ana Cristina é brasileira, eu sou brasileira (que nunca saiu do próprio país). O que eu posso falar sobre uma francesa?
As poesias da Ana Cristina são para mim um monólogo. Este compilado de seus poemas compõe uma peça teatral, onde ela é a única personagem. Desta maneira eu me sinto jogada para fora de sua obra. É como se ela dissesse o tempo todo "Me escutem, mas não falem comigo". Eu sinto isso com relação a quase todos os poetas que eu já li. Mas com ela esse sentimento veio de forma imediata. Sei também que esse "gelo" que sinto entre eu e as suas palavras são um pouco de desdém. Pois quase sempre tenho inveja de mulheres que conseguem escrever e publicar seus textos. Sexismo de novo? Talvez... Só sei que eu penso que ela é brasileira como eu, mulher como eu e consegue escrever de verdade, mas eu não. Há um certo desdém e inveja mesmo... eu sei. Então uso a desculpa que isso acontece porque ela é rica (o que não deixa de ser uma certa verdade).
Eu sempre estabeleço uma relação muito "real" com aquilo que eu leio. Então sentir-me tão atingida por estas autoras é culpa minha e só minha. Algumas vezes sinto vontade de transar com alguns autores e em outras horas sinto vontade de esbofeteá-los. (Ainda bem que o meu companheiro escreve e posso praticar isso com ele)
A verdade é que não vou deixar de ler as poesias da Ana Cristina por causa dessa impressão inicial.Vou deixar essa mulher fazer suas queixas a mim, enquanto me torno passiva espectadora. Quem sabe assim não me acostumo a apenas ler ou "ouvir"? Porém até me acostumar a essa falta de empatia estarei só neste hiato diário de tempo. Até que eu decida que a menina rica pode existir para além dos jardins do Bennet e pode me acompanhar por além da zona sul. Por enquanto somos apenas duas estranhas. E eu? Eu só.
"Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las
Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal
do nascimento a mais da palavra"
Ana Cristina César em Fagulha.
Nossa... não é bom, realmente, estar acompanhado de um autor que fale pelos cotovelos. Não conheço muito bem a ACC mas tenho lá uns autores do tipo que reclama da vida com você e fica quieto até que você esboce algumas palavras... para começar a falar de novo! Mas siga ouvindo-a, será um bom exercício, certamente.
ResponderExcluirNão vou deixar de prosseguir na leitura, mas escritor que fala muito de si mesmo, mais do que do efeito que os outros e o mundo causa em si se torna pedante.
ResponderExcluir