sexta-feira, 6 de abril de 2012

A todas as mulheres que já sofreram por amor e insegurança

Eles dizem que  as mulheres tem que cuidar da vida doméstica em favor dos seus homens, para garantir  a segurança da família. 
Ensinam às mulheres que elas precisam de homens para serem felizes. 
Ensinam aos homens esperar sempre o cuidado dessas mulheres.
Ensinam que as mulheres são frágeis e por isso não conseguirão fazer um porção de coisas sem os homens. 
Ensinam aos homens que eles são fortes e que  a proteção das mulheres depende deles. 
Ensinam às mulheres que amar é abdicar de direitos.
Ensinam aos homens que amar é coisa de mulherzinha. 
Ensinam às mulheres que um dia um desses homens, que não aprenderam amar, vão ser a salvação dos seus corações partidos.
Ensinam aos homens que é divertido ter relações sexuais com o maior número de mulheres.  
Ensinam às mulheres que ter muitas relações sexuais as inferiorizam. 
Assim os homens aprendem a trair as mulheres. Assim as mulheres aprender a perdoar, se sacrificar e chorar por esses homens.Quantas, tias, mães, primas e amigas (e nós mesmas, é claro) não conhecemos que choraram o fim de um relacionamento enquanto o ex parceiro gozava tranquilamente de uma nova relação ou da própria companhia? Eu tenho uma só palavras para vocês: S-E-X-I-S-M-O
Enquanto os meninos forem encorajados a serem prepotentes,arrogantes e engessados emocionalmente e as meninas acreditarem na existência de um amor totalmente irracional, mulheres vão sofrer a dor de uma separação muito mais que os seus homens.
Esse texto pode parecer totalmente obsoleto, rancoroso ou sem sentido, mas leiam com atenção a história que ouvi ontem na estação do metrô, onde tomo o melhor capuccino dessa cidade. Tentem ler e ouvir uma guerreira chamada Irene.



Todos os dias, estando atrasada para o trabalho ou não, paro no quiosque de lanches no metrô cumprimento as minhas duas "amigas" esporádicas com beijos no rosto e tomo o ótimo capuccino preparado pela Irene. As nossas conversas são aparentemente superficiais, mas sempre tenho a impressão de que poderia falar qualquer coisa a Irene. Ela me olha com tanta cumplicidade e sabe identificar quase sempre se estou bem, mal, com fome, doente, com raiva, feliz, ansiosa. Sim, ela é muito observadora, curiosa e perspicaz. Pois percebe o meu estado de espírito através apenas das minhas respostas monossilábicas. " Você está bem?" "Claro. Ótima" - eu falando isso com uma cara horrível, arrasada e olhos inchados. "Calma, garota!" Eu sorrio como se quisesse dizer "não há de ser nada, essa tristeza vai passar". Irene diz "A gente consegue as coisas com dificuldade mesmo e você é esforçada. Veio de longe pra cá e vai conseguir suas coisas" .  Bingo, a bruxinha não sabe dos pormenores, mas sabe exatamente o centro da minha maior preocupação.
Essa bruxinha perspicaz me surpreendeu esta semana, parou de fazer perguntas e resolveu falar. Eu cheguei, encostei no balcão. Irene e a outra  atendente do quiosque vieram efusivamente me mostrar umas roupas que compraram em uma liquidação de alguma marca que elas consideram boa, mas que eu não consigo me lembrar. Elas duas falavam o mesmo tempo, quase me deixando tonta. Eu só conseguia sorrir,pegar as blusas, esticar  e dizer que eram lindas. De repente  a Irene se afastou de nós duas e foi atender uma ligação. Eu olhei pra ela e ela fez um gesto com a mão me chamando. Provavelmente queria compartilhar alguma coisa desagradável comigo, mas sua expressão era de ironia. Eu fui para a porta do elevador onde ela falava ao telefone e ouvi o fim da conversa " Meu nome é Irene. Você teve 25 anos para me chamar de amor e agora, que eu não quero mais, vem cheio de graça. Estou ocupada. Não." Ela desligou o telefone e já veio me contando a vida inteira de uma só vez. Eu recebi um enxurrada e nos primeiros instantes me senti afogada na torrente de novas informações que eu recebia daquela pessoa a quem eu sempre respondi com monossílabos.
Relato aqui um resumo do que ela me disse. A Irene me contou que ela se casou há 31 anos, com o primeiro namorado que teve, um recifense que pagou a sua primeira entrada no Cine Odeon. O ex-marido da Irene, por um motivo que ela não sabe até hoje, mentia que era baiano. Para ela, que mal conhecia a Tijuca, tinha sotaque nordestino só podia ser baiano mesmo.
 A Irene e o João tiveram um casal de gêmeos, a Rita e o Roberto. Ela sempre quis dar uma educação os filhos que não fizesse a filha dela ser preterida em favor do filho. Ela também tinha apenas um irmão e sempre se sentiu deixada de lado depois que ele nasceu. Ela queria estudar e o irmão queria trabalhar na fazendo do avô, no interior de Campos. Os pais queriam que ele estudasse e sobre a Irene eram indiferentes. Para eles bastavam que ela continuasse ali  se comportando bem e sendo coadjuvante. O irmão dela não quis estudar e os pais dela não investiram o dinheiro destinado a educação do filho nela. A Irene me contou que ela nunca tinha se sentido amada todos os anos em que se dedicou ao cuidado da casa juntamente com a mãe e a empregada. Quando ela conheceu o João teve esperança de que as coisas mudassem, ele era estúpido mas a beijava e levava ao cinema.
Mas logo que casou, o João seguiu o clichê masculino, mudou completamente e passou a se comportar como as pessoas da família de Irene. Para ele bastava que ela limpasse e cuidasse dos filhos. A Irene acabou acreditando que deveria ser este o comportamento natural de toda e qualquer pessoa com relação a ela. Bastava que ela fizesse o que era para ser feito. Ela fazia tudo o que era para ser feito.
A Irene se conformou e ficou apática, só se sentia viva cuidando dos filhos, especialmente da filha, com quem ela tentava sempre ser sensível. O pai tentava atrapalhar  a educação igualitária que Irene dava aos filhos. Mas a maior parte do tempo, pedia coisas, agia com frieza e indiferença e saía porta a fora. Ela me contou que ele chegava a passar 3 dias fora de casa sem dar notícias. Nos últimos anos só aparecia no horário das refeições, a importunava até conseguir sexo, dava uma bronca nos filhos e deixava o dinheiro das contas. A Irene sabia que ele a traía, mas não tinha força, auto-estima, nunca havia trabalhado e estudou só até a oitava série. Não tinha mais esperanças de que as coisas mudassem, mas fez uma promessa a si mesma " no dia que ele me trair e eu ver me separo".
Um dia o João foi menos prudente e levou uma das amantes para jantar em um restaurante na Tijuca. Irene tinha ido visitar os pais com os seus  dois filhos e o garoto decidiu que queria comer no Macdonald's. Então a garota,  viu o pai beijando uma mulher do outro lado da calçada, atravessou e foi brigar com ele. O pai deu um tapa no rosto da filha e a Irene partiu para cima dele com toda a força, que lhe foi negada  a vida toda. Eles se separaram.
Ela sofreu bastante durante os primeiros meses, chorou muito, enquanto o marido gozava  a companhia de uma garota bem mais jovem. Mas com a ajuda dos filhos começou a fazer uns bordados para vender, até que conseguiu trabalho em uma lojinha de bordados e foi se erguendo da apatia de tantos anos. Seus filhos sofreram muito com a indiferença do pai e eram muito apegados a mãe. Quando o padrão de vida deles mudou por conta da separação dos pais, eles foram trabalhar e ajudar em casa por amor a ela. Ela veio a vida por causa desse apoio dos filhos. De repente olhou para o lado e viu que tinha se dedicado a alguém e finalmente essa pessoa lhe retribuía de alguma maneira.
Irene não quer ter mais ninguém, disse que tem relacionamentos furtivos, sai pra dançar e é só isso que ela quer. As pessoas cobram que ela tenha um relacionamento estável, mas ela terminou de me contar essas coisas dizendo o seguinte  " O casamento foi a pior coisa da minha vida. Agora que eu não tenho mais pai, mãe, marido para me dar ordem querem me meter em uma casamento de novo? Não aceito, minha filha" Eu contei algumas coisas para ela, que me disse " A maioria das mulheres passam esse tipo de coisa e uma grande parte não se livra como eu, aceita tudo e ainda acha errado quem está feliz" Acho que eu não preciso dizer mais nada. Essa história contada entre atender clientes, lágrimas tímidas e dois cafés, diz muito por si só. Para quem acha que o machismo só está presente em fatos e acontecimentos repletos de violência explícita ou opressão absoluta, pode perceber que eu não citei claramente nenhum caso de violência física que a Irene tenha sofrido. Mas do que ela sofreu a não ser discriminação de gênero?  Ela foi preterida a vida inteira  por ser mulher e que bom que essa é uma história com um "final" feliz. Mas como ela mesma disse, muitas aceitam até o fim da vida condições semelhantes  as dela.
Enquanto os meninos forem incentivados a ser os machos detentores do poder de decidir o destino das mulheres, as mulheres vão se sentir inseguras e sofrerão se apegando a relacionamentos em que não existe amor .
A Irene hoje se orgulha de ter conseguido criar um filho que é diferente do seu pai, do seu irmão e do seu ex-marido. O Roberto cuida do próprio filho sozinho, pois a mulher viaja pra trabalhar, não se sente menos macho por saber arrumar a própria casa, e muito menos por isso. A Irene contou que ele sabe cozinhar muito bem, é amoroso com o filho e a mulher e concorda comigo sobre essa coisa de que a mulher dele já fez  parte mais difícil que foi dar a luz e sofrer todas as mudanças no corpo causadas pela gravidez, agora é a vez dele se esforçar um pouquinho mais.
Essa conversa e o capuccino desse dia vieram adoçados com a esperança de que outras Irenes arregacem a manga ou se motivem a educar homens que se sentem orgulhosos de amar e não sejam indiferentes a dor dos outros. Estes homens não sentirão necessidade de subjugar mulheres a solidão emocional, em favor de demonstrar toda a masculinidade que lhes exigiram cultivar.
 'We can do it!'

 Dedico este post a todas as mulheres que já sofreram "por amor" e insegurança, principalmente a mim. Deixo também para mim, os versos abaixo.


"Estou quase cansando de caminhar
eu duvido amor e respiro melancolia
mas ainda há esperança de que eu morra 
e ressuscite no corpo de uma mulher feliz."

8 comentários:

  1. Irene no Céu

    Irene preta
    Irene boa
    Irene sempre de bom humor.

    Imagino Irene entrando no céu:
    - Licença, meu branco!
    E São Pedro bonachão:
    - Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

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    1. Mayra, dei uma corrigida no texto e acho que ele está melhor de ler agpra.Lindo comentário poético.

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  2. Não tenho palavras. Irene tomou o rumo que eu quis, tantas vezes, que minha mãe tomasse. Ou minha irmã. Fui criada debaixo de uma esfera parecida com essa, meio machista, em que um homem não pode lavar o próprio prato de comida, porque não é o dever dele. Levou muito tempo para mostrar à minha mãe que essa é a forma como ela é feliz, não a minha. Não vou fazer "serviço de mulher" enquanto alguém faz o "serviço de homem" pra mim. Eu quero ser inteira e completa e me bastar. Quero ser igual.
    Quero ser Irene.
    =)

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    1. Seremos Irenes! UM beijo Letícia! Você é um dos incentivos a eu continuar com esse blog.

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    2. Jelly! Saber disso me dá um pulinho de alegria no peito. Não deixe de escrever nunca então =)))

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  3. Que texto lindo! Gosto muito de ler histórias como a de Irene. No fundo é um pouco da história de cada uma de nós. Beijos, Jelly, continue escrevendo!

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  4. Mulheres precisam lutar pela liberdade. Liberdade econômica, emocional e sexual.É preciso mta força e coragem ! Que as "Irenes" se multipliquem!

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